Ego de Vidro
Era uma vez um jovem cavaleiro tolo que não encontrava sentido na sua existência e por isso quis ser herói . De bobo só tinha o humor bem debochado, era pura racionalidade, vaidoso com seu iminente sucesso, porém ainda sentia constantemente insatisfeito, por mais que não admitisse nenhum defeito . Por sentir que tinha muito pouco quis ter muito do que pensava ser precioso.
Almejava a gloria e a fama. Com sua armadura de vidro refletia a luz do sol e se achava radiante, ele acreditava ser muito importante mesmo que por dentro se achasse insignificante, pois pensava que não tinha luz própria . Até o dia que conquistou seu maior objetivo, ficou desesperado, pois ainda não se sentia realizado. Sua sede de valor o corroía, queria ter o que não se podia possuir e que nem mesmo conhecia .
Foi quando então em uma tarde de primavera escutou o canto suave da alma de uma donzela, se surpreendeu pois ele se sentia verdadeiramente vivo era melhor coisa que já tinha provado . Tentou a todo custo encontrar e conquistar o seu amor. Desejava seduzir a graciosa presença, que escondia no rosto de outras mil donzelas. Porém sempre se assustava com sua falta de elegância e desaparecia tão subitamente quanto surgia . Deixando inconsolável fazendo sentir que nada de verdadeiro possuía, a não ser a esperança. Ria ela, pois se divertia com o desajeitado cavaleiro que a tanto queria, entediada com a vida mundana acabou se vendo entretida ao brincar de esconde-esconde.
O nobre aventureiro era determinado , procurou pelos 4 confins, perseguindo os rastros do seu perfume, até que ouviu seu tenro canto vindo de uma abismo profundo e saltou. Mergulhou entre as trevas e sua rígida armadura partiu nas calmas águas de um rio. A alma se culpando da tragédia que a sua brincadeira causou, se comoveu e o aceitou.
Quis ser gentil mas no seu toque desajeitado se feria, o estilhaço pontudo rasgava sua pele macia feito tecido de seda. Amarga ironia que quase tornava engraçado o trágico desfecho . Porque ela ainda insistia em amar mesmo sabendo que ele tinha um coração quebrado. ? Será que preferia a dor do apego , a sentir sua ausência ou temia a culpa de o ter rejeitado ?
A culpa cegava a alma , acreditou na fantasia inocente , estava crente que seu amor converteria, igual fez o cordeiro, e o tornaria novamente inteiro.
Negava-se ver a realidade, que a cada dia a rachadura se estendia , o corrompia , e uma nova parte se desprenderia. Alma tola, insistia em agarrar um caso perdido, tentando abraçar fingindo não sentir dor, persistia ignorar o caco afiado perfurando seu intimo.
Quanto mais se machucava mais ele partia, afinal não suportava ver o quanto ela sofria . A culpa estraçalhou os pequenos pedaços, até que enfim ela faleceu por sua própria inconsequência , de tentar segurar o que já tinha sentença.
Desmoronou como um entulho, ensanguentado, culpado, se sentia um assassino que merecia ser, criticado, condenado , julgado e por fim executado sem direito ao retorno.
Como podia ter ferido alguém que tanto o avia amado, seria ele amaldiçoado ?
Ou apenas alguém com coração quebrado. Que seu âmago vazio não soube corresponder o afeto ofertado.
…
Na navalha do ego a alma se sacrificou ao rasgar o tecido do tempo , a dualidade do certo ou errado se dissipou, e contemplou o vazio infinito .
Das trevas nascia uma nova luz. Seria o ego de vidro desastrado ou criado para se quebrado ?
Se a sim fosse porque então lamentar!? Então resolveu rir mesmo que os olhos vertessem lágrimas ardentes como de quem tenta em vão não chorar.
…
O cavaleiro se tornou ferreiro, buscou aprender a si mesmo forjar, usando do calor desse sol, no processo notou que recebeu algo de imenso valor mas com suposto defeito que o fazia ferir e quebrar .
Questionou-se, porque será que nascera com o fim de constantemente se concertar?
Ainda se sentia limitado pois o árduo trabalho quente era extremamente pesado. Felizmente logo se percebeu aliviado, pois enquanto bebia água fresca , lembrou do oceano a qual tanto seu irmão mais velho falava , a qual a muito tempo atrás ensinou a arte de dissolver a mágoa, resinificando e perdoando.
Sabia que precisava curar, seu intoxicado coração que necessitava amar. Das marcas do tempo , das feridas que recebeu nele e repetiu nos outros.
Procurou entender porque fomos criados, entendeu que era para crescer, ainda que não compreendesse a finalidade dos intermináveis ciclos de cuidar , cair , ferir , levantar e novamente curar .
Tornou-se curandeiro, por vários anos continuou fervorosamente até que cansou da forma que a vida reagia. E passou exercer a profissão de agricultor.
Transformou-se em um excelente cultivador, tão minucioso quanto um jardineiro, cultivando as virtudes no campo que muito bem semeou, retirando as plantas daninhas pela raiz. Regando todo dia a muda que estava por se tornar uma elegante arvore, quem logo mais serviria para seu justo descanso.
Alguns anos e se passaram e uma imensa arvore sombreava a paisagem, ao descansar em paz no frescor da sombra, pela primeira vez se permitiu ouvir o silêncio da luminosa sinfonia que guia a existência.
A serena luz da essência ensinava, que para antes subir rumos aos céus precisava descer até o inferno. Curioso contraste que parece contraditório, que ensina que só podemos crescer quando olhamos fundo do poço que tanto evitamos .
A qual exige que se retire o precioso lodo que serve para o nosso jardim como adubo. Para que se desfrute da formosa água cristalina que hidrata e traz a doce calma, nos lavando ao dormir e ao acordar.
O ferreiro que se tornou curandeiro e depois jardineiro. Depois de limpo, uma nova fase começou, em uma conversa com próprio eco do poço, percebeu que reverbera uma efêmera harmonia que sempre esteve ali dentro.
Ao decifrar seu encanto entende que o que expressamos na superfície, segue até lá baixo e ressoa. Em bora que se pareça atoa, até menor palavra até o fundo ecoa.
Suspeita então se entoar o canto sagrado, OM, chegaria até o infinito. A qual diziam que lá em baixo permanece adormecido, até que alguém de coração puro canalize seu nome esquecido.
Descobre que na verdade é um pronome indefinido, que até em sua última instância é incompreendido, que só pode ser sutilmente sentido.
O jardineiro se tornou um virtuoso porem velho andarilho. Atendeu ao chamado que o convocou para uma jornada rumo ao princípio. Ainda que não soubesse sobre o caminho.
Entendeu que existe um propósito, e há um farol que ilumina mesmo que as trevas da noite o esconda. Enfrentava as suas próprias sobras e aprendera a língua dos demônios, a qual ensinaram como, meditando e hipnotizando poderia transmutar a sua dor, despertando assim do seu pesadelo profundo.
Tornara-se um guia, levando e trazendo outros que assim como ele estava em uma dupla jornada no mundo exterior, e interior . Por vezes sua pele arrepiava quando notava uma estranha presença, com olhos calmos que o acompanhavam nos precipícios e labirintos .Como se o protegesse sem encostar , quando mergulhava na fria ausência e nos cantos escuros do seu ser . Esquecidos por tantos , a não ser pelos auto escolhidos . Intuiu que devia seguir por mais que não entendesse por onde. Até que no enfim desse enigma dentro de si o encontre.
De aventureiro, se tornou habilidoso ferreiro, descobriu-se curandeiro, atuando como agricultor também revelou sendo excelente jardineiro, aceitou a jornada, se tornando corajoso velho andarilho , depois de tanto subir e descer tantas vezes se tornou guia. Por fim nos seus últimos anos os outros o tratavam como santo, mas ele só tinha vislumbre de um dia se tornar sábio humano.
Como prometido na profecia chegou o ultimo dia, batizou-se ao se afogar no oceano envenenado pelas trevas da serpente sagrada , ressuscitando ao comungar na luz celeste do arcano mistério , as margens do bendito eterno e infinito vazio.
Hitorias de Axis-Mundi, por Borgeriano
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