O Borgeriano
18 min readJun 4, 2020

Despertar do Inconciente /Narrativa CAP.1

03/3/2033 03:33 A.m Indica o relógio Digital.

Fazia alguns anos desde a última vez que tive esse pesadelo, lembro que quando criança eram frequentes. Pareciam a personificação do inferno, começava sempre de forma tranquila, apenas com uma sensação de estar vuneravel. A maioria das vezes era alguma confraternização entre amigos ou família. Aos poucos passava sentir que algo pavoroso me observava, e pouco a pouco ia se aproximando. E não conseguia saber de onde vinha ou oque era. O medo lentamente me paralisava e roubava a voz, por mais que tenta-se gritar não conseguia. Era como se alguém estivesse amassando minhas cordas vocais e contorcendo minhas entranhas ao mesmo tempo .

Após alguns segundos, noto que mesmo que tremendo e quase sem força nos pés volto a me mover . Pressinto que devo correr, não olho para trás, apenas corro sem saber para onde ir, ainda sinto que algo ainda está me procurando . Entro em uma floresta fechada e a presença some, fico um pouco aliviado mas ainda não me convenço que esta tudo bem . Então me dou conta de algo, que me perturba profundamente pois só eu corri, e tinha certeza que aquela Coisa iria atrás deles.

Por ser final da tarde o sol estava vermelho, e como já estava se pondo deixou as nuvens com tons de sangue, o vento produzia assovios que me causavam arrepios na nuca, soava como feito por algo não humano. Quando enfim encontro um pouco de coragem ando mais rápido que consigo evitando fazer barulho mas não consigo controlar a respiração que estava cada vez mais ofegante. O silencio envolvia as arvores e as folha secas, como o vento de inverno frio quando se está molhado . Resolvo chegar mais perto vejo apenas poças de sangue misturado junto a um líquido escuro como petróleo que fedia como carne podre.

Ao encarar a cena os muros internos desabam e um turbilhão de sentimentos vem a tona, culpa, medo, tristeza, alívio, raiva e vergonha. Por alguma razão sabia que a culpa era minha, e novamente sinto que alguma coisa se aproxima, mas dessa vez não corro. Nem penso em fugir pois não faço mais questão de viver, fecho os olhos, e tento rezar ainda que com pouca fé. Tremia de medo, igual quem entra em um rio no inverno. Como se tentasse afugentar meu medo escuto a voz de minha mãe cantarolando uma canção familiar, fico surpreso e esperançoso ao mesmo tempo, inocentemente abro os olhos e vejo uma criatura ensanguentada de olhos pretos, sorrindo enquanto usa a voz de minha mãe para cantarolar com tom de voz infantil .

— Nana neném se não ou bixo papão vai te pegar , hahaha. — A Coisa termina uma risada aspera e debochada .

Logo depois normalmente acordava, aainda que perturbado com o pesadelo, as gargalhadas pareciam ressoar em mim por um tempo como um eco mas sem fazer barulho. Ao menos nas primeiras vezes o sonho acabava nessa parte, outras sabia que tinha continuado mas não lembrava. Por ser sonâmbulo, as vezes coincidia ter pesadelo enquanto caminhava pela casa, tinha vezes ficava preso entre pesadelo e vigília, e levava minutos intermináveis para voltar por completo, a única coisa que conseguia fazer era gritar e chorar.

Outras vezes igual ocorreu hoje meu corpo paralisava por minutos e só meus olhos abriam. E a mesma sensação de pavor da Coisa me olhando vinha a tona. Contudo essa semana foi diferente, ao abrir os olhos algo saiu do espelho. Apenas fechei os olhos assustado e senti meu corpo arrepiado e vibrando, e resolvi abrir os meus olhos. Foi quando vi meu próprio corpo deitado na cama e entrei em pânico pois pensei que tinha morrido.

— Você está vivo querido , apenas despertou fora do seu corpo — Com um tom de voz suave e estranhamente familiar.

Em seguida colocou sua mão em minhas costas e acordei, estava nostalgico ainda sem estender o porque. Diferente das outras vezes, senti uma leveza indescritível, que continuou comigo nos próximos dias.

Nessa madrugada, tive o mesmo pesadelo que costumo ter a anos. Dessa vez não corri, para minha propiá surpresa, ao sentir a Coisa se aproximar. Todas pessoas começaram a me encarar em silêncio, e em um coro conjunto falaram ao mesmo tempo.

— Agora parece estar mais corajoso, o bebê chorão virou homenzinho hahaha. — Em um timbre macabro agudo e grave ao mesmo tempo.

Eu me vi na minha propiá frente, porém com olhos pretos, e com a pele palida.

— Hoje o pesadelo do ser humano, vai durar para além do sono. — A voz agora seria com certa aspereza.

A pressão da aquelas palavras me fizeram acordar com mal pressentimento, tento entender o significado do sonho em vão durante o banho.

Resolvo por deixar o sonho de lado e me preocupo com que vou comer no café da manhã. Coloco água para esquentar pois aquela noite de sono exigia café. É um dia normal de inverno, frio suficiente para colocar um moletom. No caminho para Universidade, procuro caminhar pela rota com mais luz, perto da canaleta dos ônibus. Evito os cantos pois moradores de ruas que dormem nas marquises usam aquele trecho como sanitário.

Sempre sinti vergonha ao passar ao lado de alguém necessitado, normalmente não carrego nada para ajudar. Nunca me conformei, com a ideia que muitos não tem o essencial, quando poucos acumulam fortunas e vivem luxuosamente. Tenho vergonha de comer e dormir bem quanto outros não tem o mesmo privilégio.

Ao entrar na faculdade vejo os mesmo rosto "conhecidos", e finjo uma expressão mais bem humorada. O 7° período de psicologia é fácil, e poucas matérias realmente me interessam. Contudo a de hoje é Jung. Porém não fico bem humorado suficiente, pois a matéria fica no 6 andar, e o elevador está em manutenção. Ainda que treine a alguns anos na a acadêmia, tenho mais falta de ar que um fumante ativo quando subo os degraus da escada, provavelmente por causa da Asma.

A aula já estava em andamento, visto que estava 15 minutos atrasado. Procuro um lugar ao lado da janela mais ao fundo, gosto da vista e do ar fresco. O quadro já está com esquema Junguiano do Inconsciente, por já conhecer acabo prestando pouca atenção e o pensamento se dispersa. Meus olhos rondam em meio aos rostos sem muito interesse, apenas por costume.

Foi quando uma sensação de agonia percorreu minhas entranhas em sequência um estrondo oco, um arrepio lento percorrendo a base da coluna até a nuca, não precisava ver sabia que alguém tinha caido. Não parecia ser a primeira vez que escutei aquele som, parecia ser um dejavu.

No intervalo fsoube que alguma aluna pulo do 7 andar, após descobrir que tinha sido vazadas fotos íntimas pela internet. No intervalo normalmente caminho pelo corredores e vou lavar as mãos, não sei bem porque mas quando estou em lugares com muitas pessoas sempre sinto minha mãos sujas, ainda mais depois da última Pandemia.

Escutei nos corredores que a menina era do curso de Direito, a sala dela estava em choque e foi dispensada. Por todo campus existia uma atmosfera tensa, não sei ao certo quantos conheciam ela. Parece que mesmo quem não conhecia ficou abalado. O namorado, era da sala a minha frente, por coincidência amigo de um colega meu. Parece que alguém colocou um vídeo íntimo em um site porno, não se tinha certeza se foi o próprio namorado ou um hacker.

Na segunda parte da aula, a professora pareceu mais séria, mas não comentou o acontecimento. Por ter acordado mais cedo nesse dia, estava muito sonolento. Acabei sedendo e tirei um cochilo discreto com a mão tampando os olhos e apoiando a testa. Até então, nunca me ocorreu de sonhar durante um cochilo rápido, muito menos um pesadelo.

Estava na sala de aula mas parecia abandonada e toda quebrada, com um cheiro de carne podre. Tudo era idêntico a real tirando a sujeira e a condição que se encontrava. Escutava um choro desesperado, e senti que devia ajudar. Quando cheguei perto da origem do som, vejo uma menina deformada se contorcendo seus ossos expostos, gritando por socorro, do lado dela tinha um ser humanoide se alimentando de fluidos que saia dela. O espanto de ver aquele cena me fez acordar.

Devo ter cochilando por 5 minutos, mas aquele pesadelo pareceu durar mais. Acordei com coração disparado, e achei uma boa ideia ir lavar meu rosto no banheiro, quando me encaro no espelho vejo que meus os olhos estão pretos, e sinto a mesma sensação de quando encaro a Coisa nos meus pesadelos. O banheiro ficou vazio, e tinha o mesmo aspecto da sala durante o pesadelo, permaneci paralisado encarando espelho. Até que um colega encostar no meu braço .

— Está tudo bem ? — Beto perguntou com tom de voz interrogativo, e olhar arregalado.

Ainda atordoado com a experiência, tenta pensar em alguma resposta.

— Estou com um pouco de dor de cabeça, e meus olhos estão meio doloridos estava vendo se tinha algo neles. — Responde Miguel com voz a sonolenta.

— Se precisar tenho remédio para dor de cabeça na mala — Beto fala com certa compaixão na voz.

Miguel caminha ao lado dele tentando disfarçar o melhor que consegue, e agradece pelo remédio quando o Beto entrega e se despedem.

Ele estava perplexo, nunca até então tinha sonhado acordado. Parecia ter acessado um estado de transe induzido por hipnose, técnica que já estudava a um tempo. Logo aceita a possibilidade, por alguma razão o suicídio abalou meu psicológico e induziu um transe.

Alguns minutos antes do final da aula, recebe mensagem de uma das menina que costuma ficar. Perguntando onde podem se encontrar no campus, tinha-se esquecido que marcou de ver ela hoje. Sendo o mais prático sugeriu nas catracas da saída.

Sol é uma estudante de Cinema, mais nova que eu. Olhos verdes, sardas e cabelo com leve tom ruivo. Não temos muita afinidade nas conversas mas gosto do jeito dela. É meiga de forma natural, pelo menos na minha opinião. No sexo não é muito experiente, mas seus sons, corpo delicado somado ao olhar quase inocente me enlouquecem. Estávamos em uma amizade colorida a 5 meses, se não me engano.

Logo após o professor finalizar a chamada a turma é dispensada e caminho até a saída enquanto escolhe uma musica no Spotfy. Nota que ela já aguarda, se aproximo dela e o recebe com um abraço apertado.

— Oi, o que tu vai querer comer hoje ? — Sol pergunta tentando disfarçar a voz cansada se esforçando para parecer mais bem humorada.

Involuntariamente Miguel da uma leve risada tímida, como se tivesse pensado em algo vergonhoso.

— Não sei, pode ser o de sempre . — Faz um olhar discreto mas malicioso.

Sol cora, sem graça com um falso olhar de desentendimento.

— Não quis falar com duplo sentido. — Explica Miguel, com uma feição vaga.

— Sei bem como você é, tu deve achar que não te conheço ! — Responde sol com um tom irônico.

Tenta pegar na mão de Miguel mas ele coloca a mão no bolso. Ele não tem vergonha dela, apenas não gosta de alimentar algo que não tinha certeza se conseguiria corresponder.

— Vamos indo, estou com fome! — Sol tenta esconder sua frustração forçando um olhar indiferente.

No caminho conversam sobre o ocorrido, e partilhamo oque cada um sabia. Miguel opta por não contar sobre o transe nem o pesadelo, só fala que estava com mal pressentimento desde que aacordou.

Subem até a cobertura, e entram no apartamento. É um certo costume se retirar o lugar como " lá em casa" mesmo sendo um apartamento e não sendo casa dele . Como eram vizinhos de quarteirão, nos últimos meses passou mais tempo na casa dela do que na dele.

— Meda um beijo ? — Encara sol com um olhar meigo, quase escondendo um meio sorriso no canto da boca

— Somente um, e só daqui 5 segundos. — Afirma Miguel fingindo um tom sério.

Riem juntos, e puxa ela para perto. Trocam alguns beijos, e logo cada pessoa de roupa parece ser menos necessária. Fazia 9 dias que não transávam já que ela estava no períodomenstrual na última vez que se encontraram .

— Ainda temos visita? — Pergunta Miguel com um olhar curioso.

Ela a ponta o indicador em direção da sua calça.

— Porque não descobre ? — Sugere Sol com um olhar naturalmente sensual.

Sem pensar duas vezes Miguel baixa a calça de moletom , e acarecia de leve a região com os dedos.

Em seguida Sol tenta segurar a risada, pois estava usando absorvente, e gostou de ver a cara de frustração de Miguel.

Você vai precisar ser paciente, se não quiser se sujar de sangue ! Vamos pedir a comida !? — Sugere Sol mudando de assunto.

Pegam o celular abrem o aplicativo de entrega e escolhem . Em sequência ela entra no banho, enquanto olhava o celular Miguel viu no Instagram diversos histories de pessoas em luto. Fica surpreso pela coincidência visto que a maioria não era em razão ao ocorrido na Universidade, resolve deixar o cell de lado.

Por ter chegado da rua resolveu lavar a mão, e ficou tentado assistir a Sol tomando banho, era normal tomarem banho juntos .

Como se nunca tivesse visto ela sem roupa, ficou corada ao notar que estava sendo espionada .

— Para de me olhar, sinto vergonha ! — A voz soa baixo, e demonstra c desconforto.

Abre mais a porta do box e segura na mão molhada de Sol de forma suave.

— Tu me devolve o beijo que te dei — Pede, Miguel com feição com falsa tristeza.

Sol faz cara de nojo e joga água. E e Miguel revida regulando o chuveiro para o frio, como ela não tem altura suficiente para trocar, termina seu banho com água fria, enquanto ofende sem qualquer censura.

Ele ri pois acho engraçado ver como um ser meigo se transforma em um demônio enfurecido em poucos segundos.

— Pega uma blusa e uma calcinha e a toalha! — Grita Sol com tom exigente.

Caminha até o quarto para pegar a peça e entrega , com olhos de cachorro depois que apronta.

Desculpa Sol, eu até podia ter ligado no quente de novo, mas você não pediu ! — Comenta com certo arrependimento na voz.

Ela bate a porta com força, e fala algo que não se consegue entender.

Toca a notificação do celular dizendo que o entregador está a caminho. Desce até portaria, paga, e deixa o entregador com o troco, volta para o elevador evitando o espelho para não correr o risco de entrar novamente em transe.

Vestida só com uma blusa velha que ele deu a ela e calcinha, se aproxima

— Quanto te devo ? — Questiona Sol com olhar curioso.

— 15 créditos Sol, e que totalizando sua dívida somam 1500 beijos. — Afirma, Miguel como se fosse um agiota.

Ela ri e começam a comer. Ainda que não fôssem conhecidos da menina existia um clima de luto. Após o almoço decidiram dormir um pouco.

A Coisa surgiu novamente assim que pegou no sono. Quase que alegre ela diz:

— Ha anos que não tenho um dia tão divertido, Hahahaha !! — A Coisa fala com um uma voz rouca .

Sem se importar com o comentário dela, caminha em volta dela como quem examina uma estatua.

— O que disse antes de madrugada tem a ver com o suicídio da menina? — Interroga Miguel com tom exigente.

A Coisa olha para ele e se estica como normalmente alguém faria após uma longa viagem em um carro desconfortável.

— Infelizmente não, foi só uma coincidência, sua menina tem razão você precisa ser mais paciente, você logo descobre sozinho Hahahahha — A Coisa comenta com a voz nitidamente de deboche.

A qual deixou Miguel perplexo pois aquela besta estava tirando sarro do episódio com a Sol.

Estranhamente se acostumou com a presença dela, com o passar dos anos. Resolveu chamar a Coisa de Besta, já que combinava com sua aparência e humor. Ela pareceu gostar do tratamento. Diferente de quando ele era pequeno, não se sentia mais vulnerável.

 — No futuro você ainda vai me agradecer, pelos seus pesadelos, criança !!

Miguel: Duvido, isso só vai acontecer no fim do mundo!

Sorrindo com mais dentes que um humano:

Besta: Vou te cobrar, hahaha!!

Sem conseguir voltar ao sono, deixei sol dormindo e fui resolver algumas coisas. Como de costume passo na frente do shopping que fica no caminho de casa para faculdade, mas resolvi que entraria lá só depois do treino da academia.

Entrando em casa, tirei meus sapatos e procurei algum doce na geladeira. Sem encontrar nada interessante, pego o celular e abro um jogo de tiro, faltava poucos pontos para pegar o nível Lendário. Ganhava quase na mesma proporção que perdia, depois de uma hora continuei com a mesma pontuação, para ser exato 20 pontos a menos para minha indignação .

Sem motivação procuro alguma razão para não ir treinar, e o sono e o frio torna a balança desfavorável. Vou para cama e puxo alguns cobertores, e o sono vem rápido. Dessa vez, o mesmo ser que antes saiu do espelho, se apresenta. Na aquele dia não consegui ver seu rosto, por alguma razão era desfocado . Contudo agora conseguia ver com clareza, e me emocionei. A voz que antes parecia familiar, provou sendo da minha mãe. A última vez que escutei era muito pequeno, e mal me lembrava .

Mãe: Eu sei, faz muito tempo, não precisa se sentir mal por não ter me reconhecido antes.

Sem conseguir conter as lágrimas desabei, um turbilhão de sentimentos tomou conta de mim, a ferida que enterrei o mais fundo que pude se abriu. Uma mistura de sentimentos e sensações, que não conseguia controlar. Escolhi por forçar um esquecimento parcial, só então lembrei que sua mãe também se matou. Ela lutou contra câncer por longos anos, e não aguentou mais o tratamento de quimioterapia. Coincidência do destino, estava indo com meu pai fazer uma visitar surpresa nesse dia. Fazia tempo que não visitava ela, o pai buscou me poupar de ver ela na aquela situação. Contudo com o agravamento da doença, achou que era importante eu acompanhar nas próximas visitas. A última vez que fui lá ela tinha acabado de raspar o cabelo e usava lenços, disse que tinha pegado piolhos. E me pediu um desenho na próxima vez que fosse visita-la, pois ajudaria curar ela.

Durante anos acreditei que ela morreu por ter demorado tempo de mais para entregar o desenho. Sentia responsável, ingenuamente, contudo não conseguia elaborar esses sentimentos. Restou apenas tentar controlar e sufocar, o preço pago foi apatia, falta vitalidade e compromisso com a vida .

Sabendo sobre tudo que o filho passou, com uma voz serena diz:

Mãe: Se alguém deve desculpas sou eu, não guarde isso meu filho. Deixa sair, não faz bem pro seu coração. Não se cobre e nem se apegue a essa mágoa, lembra da mãe de antes. Dos castelos de areia, das canções que cantávamos. Te quero bem amor, com coração feliz.

Ainda sem conseguir falar ou parar de chorar apenas busco seu abraço, porém meus braços atravessam o vazio da sua ausência .

Antes de desaparecer ela diz:

Mãe: Nunca vai estar só, depois que o pior passar você vai entender isso. Seja forte Miguel, igual o Arcanjo.

Ainda que tivesse tirado parte do peso que afundava meu coração, ainda sentia oco como um santo de gesso quebrado, esquecido e vazio. Como na aquele dias que sucederam a morte da mãe, mas diferente de quando pequeno, não tinha mais medo. O vazio que por tanto tempo carregou dentro de si estava exposto, sentia mais que podia aguentar. A armadura que antes protegia sua feridas se despedaçou , estava exposto a uma tempestade que lavava sua alma com chuva e vento frio. Dissolvendo ilusões e fantasias que antes compensava o que lhe faltava. Entorpecentes que livrava da dor , oferecia entretenimento a curto prazo, mas no final aumentava a infecção, a qual se alastrava e o apodrecida por dentro. Foi preciso cortar a carne podre, e lavar a ferida, só assim a cura pode acontecer.

Até então não tinha se dado conta, mas centena de gritos ecoavam pela janela. Sem precisar olhar, sentia que todos estavam passando pela mesma tormenta que ele estava sentindo. Ainda com pensamento confuso, e sensibilizado sentiu além do que já mais experimentou antes. Longe de ser algo bom, era como se pudesse sentir o desespero e sofrimento que cada voz lá fora sentia. Aos poucos foi aprendendo impedir as emoções tomarem sua consciência, e foi se tranquilizado na medida do possível. Sua mente estava buscando encontrar alguma lógica para o que estava acontecendo, lembrou que tinha ido dormir. Contudo por pior que fosse não era um sonho ruim, por mais que tentasse acordar às vezes.

Surge no canto escuro do quarto uma figura humanoide de olhos pretos, ainda que surpreso ficou aliviado por ser familiar. Quase que descontraída, fala em tom bem humorado:

Besta: Estou surpreso, tu despertou mais rápido que eu esperava. Aliás, já pode me agradecer.

Com dificuldade de compreender a situação, falei com voz fraca.

Miguel: Não tô afim de falar com você! Porque está aqui ?

Expressando uma cara frustrada , simula uma voz triste :

Besta: Vim para me divertir assistindo seu despertar, mas infelizmente cheguei tarde !

Miguel: O que está acontecendo? O que é o despertar ?

Besta : Para quem não queria conversar você até que está falando bastante, hahaha !

Besta: Lá no fundo tu já sabe a resposta, pensa criança você não é tão burra . Já já descobre quando for lá fora e ver o caos. Aliás, estou indo nessa, melhor tomar cuidado se não quiser ser morto quando sair, hahaha !

Desapareceu tão repentinamente quanto surgiu. Duvidando a minha própria sanidade, procuro respirar e clarear a mente. No curso tive uma disciplina sobre transtornos mentais. Aparentemente estava passando por um surto esquizofrênico, provavelmente desencadeado com o choque mais cedo. A carga emocional que guardava quando veio a tona, produziu algum tipo de transe ou surto. Estava intrigado, acreditava em fenômenos paranormais, desde pequeno li diversos livros de ocultismo, teologia e esoterismo. Preferi não descartar nenhuma hipótese, arrumei minha mala e resolvi que seria melhor ver a Sol.

Um verdadeiro pesadelo acontecia, inúmeros carros batidos. Pessoas encolhidas gritando, outras lutando feito animais umas com as outras, corpos por todo caminho. Resolvi volta para casa, para pegar algo para me proteger. Dessa vez refiz as malas, peguei algumas roupas, água, comida, alguns itens com valor. Acreditei que apenas dois canivetes não iria ser o bastante, por precaução fui atrás da pistola guardada no quarto do Pai, e peguei metade da munição. Vesti o protetor respiratório que comprei na ultima Pandemia, e coloquei minha jaqueta anti-armas brancas, que comprei no ano passado pela internet.

Como um verdadeiro Nerd, sabia que em um cenário apocalíptico sobrevivia o melhor adaptado. Voltando ao portão, já separo a chaves da casa de Sol, e caminho de forma veloz até lá. Evitei andar perto de qualquer pessoa, a maioria estava em pleno surto, sem consciência apenas gritando e se contorcendo. Os meus sentidos estavam mais aguçados, atenção rodeava tudo em volta, mas sentia o caos ao redor sem me envolver. Logo entrei no apartamento, mas ele estava silencioso. Tirei a máscara, e a mochila e encontrei a sol, estava tremendo. Aparentemente estava ainda dormindo, mas parecia estar dentro de um pesadelos. Não sabia se era pior acordar ela, pois lembrei pelo que passei, e o que vi na rua. Apenas abracei ela e cantarolei uma música que ela gostava, tentando tranquilizar seu pesadelo.

Horas se passaram, quando acordava, apresentava um estado de confusão mental, e agonia. Nos primeiros dias recusava se alimentar, ou beber água. Com passar do tempo, passou aceitar a comida, mas se alimentava de forma selvagem. Não era o mesma menina delicada e gentil que eu conhecia. Sabia que lá no fundo era ela, e provavelmente ela me reconhecia. Não precisávamos de palavras para nos entender, era como se fosse telepatia.

Depois de algumas semanas ela recobrou a consciência, ainda passava horas chorando, ou tinha explosões de raiva. Outras vinha nua, e pedindo por sexo como animal no cio, de início resisti, mas acabei cedendo . Ainda que beirando a selvageria de ambas as partes, a intensidade e prazer foram mais intensos que nunca. E ajudava a Sol dormir, parece escroto falar, mas meu foi um santo remédio para seus surtos. E confesso que gostava, desejos e impulsos estavam atenuados pós despertar.

Nunca tive vontade de matar uma pessoa, mesmo assim desejei esquartejar um homem que vi comendo o último pacote do meus Sucrilhos favorito do mercado que costumava ir saquear. A sorte dele ou minha, ele correu antes que pudesse alcança-lo.

Literalmente ninguém postou nada nas redes sociais nas primeiras semanas, e nenhum portal de notícia ou canal de televisão funcionou nos primeiros meses. Corpos apodreciam por todas as ruas e dentro de casas, passei a usar a máscara para reduzir o odor. Procurei fazer um estoque de comida nas duas casas, saqueando os mercados da região. Criei um mapa onde listava principais fontes de mantimentos, e esconderijos que guardei estoques de alimentos, a maioria eram casas apartamento abandonado do prédio da Sol, provavelmente de suicidas. Depois da 3 semana mais pessoas começaram a tomar consciência e ir atrás de comida, a maioria ainda estava muito amedrontadas. Algumas eram agressivas, mas felizmente fugiam ao apontar a arma.

Como a Besta previu, fui quase grato a ela. Acredito que meus pesadelos me fortaleceram e preparam para o dia do despertar. O inferno que vivi durante centenas de noites quando, diluiu o impacto que a maioria experimentou.

Afim de ajudar a Sol, utilizei algumas técnicas de hipnose para minimizar os seus surtos . No terceiro mês ela era quase a mesma menina de antes, contudo ninguém voltou a ser o mesmo depois do despertar. A Besta ficou meses sem aparecer, mas sentia que ela me acompanhava, parecia observavar por onde ia . Agora, sinto que sua companhia até torna a situação menos solitária.

Os sonhos lúcidos e projeções astrais, ocorriam praticamente toda noite. Um mundo desconhecido, tão povoado quanto o plano físico. O caos lá estava ainda pior, as bilhões de pessoas que morreram no primeiro mês estavam ainda sobre tormenta. Algumas delas eram atormentadas por criatura similares a Besta, se alimentavam do medo e sofrimento que fluía dos recém desencarnados. A Besta, resolveu dar as caras depois de um tempo. Até se dispôs a ensinar como viajar pela dimensão Onírica sem chamar atenção. Foi quase como uma guia do submundo. Um dia tomei coragem e perguntei a ela :

Miguel: Ainda não consigo entender, porque esta me ajudando agora ? Sei que indiretamente ou não os pesadelos me ajudaram a passar pelo despertar.

Besta: Achei que ia ouvir um obrigado hahaha. Vai ter todas suas respostas respondidas por si mesmo em breve, contudo só posso dizer por hora que temos um contrato antigo. Só fiz minha parte do acordo, não espero sua gratidão, criança .

Despediu-se de forma mais cortes que habitualmente, e fiquei a pensar sobre que ela disse. Não me recordo ter feito pacto algum, muito menos com um ser como ela. Ainda que suspeitando dela, sinto a cada dia mais confortável perto dela, afinal depois da Sol ela é a companhia que mais convivo nos últimos tempos.

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Written by O Borgeriano

Um astronauta em expedição entre mundos e vazios, buscando colecionar memórias e amadurecer a alma! #PSIC #PNL #Historias #Metaforas #Poesias #Reflexões

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