O jardim Celeste.

O Borgeriano
10 min readJan 24, 2021

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Era uma vez uma criança, que amava o perfume das flores e o sabor das frutas. Ela tinha dezenas de amigos que viviam em volta da sua casa, e sempre brincavam juntos. Podia parecer estranho para os adultos, mas ele via as árvores como seres vivos, assim como os animais. Até conversava com elas enquanto comia seus frutos, elas sempre lembravam do seu aniversário, todos os anos davam tantas frutas que nem mesmo dava conta de comer a metade. E não tinha problema pois seus vizinhos pássaros também gostavam, e cantavam para as árvores em forma de agradecimento.

Ele era feliz, tinha um irmão que latia e sempre estava animado para brincar, ainda que soubesse que não tinham os mesmos pais que ele, sentia como se fossem da mesma família. Até brigavam e se desentendiam por algumas horas, quando ele fazia brincadeiras que machucavam como morder os tornozelos.

Por mais que fosse corajoso, tinha medo do escuro, e temia sempre que olhava o fundo do poço que ficava no jardim . Sua mãe chegou a contar que dentro dele escondido no escuro tinha um monstro e por isso não devia chegar muito perto pois podia o pegar .

A invenção da sua mãe só despertou mais curiosidade sobre o poço, afinal ele era curioso e queria conhecer esse misterioso monstro. Um dia foi lá e pensou que se usasse a corda poderia conhecer essa criatura, até quem sabe se tornar amigo dela. Esse era um velho poço onde tinha um balde velho e uma corda, a qual a família usava para regar o jardim e para necessidades da casa. Ele não sabia que na verdade não tinha nenhum monstro, que sua mãe só não queria que ele caísse dentro dele e se machucasse. Contudo, justamente a mentira dela o fez ir lá investigar.

Na tarde do sábado ele tomou coragem, levou uma lanterna e alguns doces por segurança para caso o monstro tivesse fome. Quando colocou tudo dentro da sacola caminhou até o jardim que rodeava o poço, e segurou na corda e pulou, achava que por balde ser pesado manteria ele seguro. Porém não sabia que o balde era mais leve que ele, e caiu. Tudo se apagou, não sentiu mas quando caiu bateu a cabeça tão forte que fez ele dormir.

Estranhou de início pois via um túnel claro, que jorrava um luz feito água de cachoeira que era serena e confortável . Ele imaginou que o túnel era um portal para outro mundo como nos livros, mal sabia ele que ele estava fazendo a passagem para o mundo espiritual.

O seu corpo ainda estava vivo, no entanto estava entre a vida e a morte, a sua alma tinha saído do corpo. Estava experimentando uma experiência de quase morte . Por ser pequeno acreditava que era um mundo mágico, a qual tudo parecia indicar que fosse, aliás ele se sentia tão leve que podia flutuar.

Saiu do poço como em um passe de mágica tão ágil como uma borboleta . Porem ao observar o formoso jardim viu que sua mãe estava chorando e não parecia mais ver ele. No início até achou legal mas logo ficou mal, pois não queria ver a mãe dele daquele jeito. Até então não tinha se dado conta, mas quando olhou para baixo viu ele próprio dentro da água, e ficou tão assustado que saiu desorientado sem saber onde ir. Só queria acordar daquele sonho ruim, mas por mais que tentasse não conseguia.

Tentou diversas vezes interagir com sua mãe , até que sentou cansado de segurar as lagrimas e permitiu chorar a dor da sua mãe não mais perceber a presença dele. Apenas conseguir assistir angustiado ela desesperada envolta do poço, e assistir tudo aquilo machucou seu coração.

Foi então que sentiu um cheiro florido de um perfume familiar, em seguida escuto uma voz suave que lembrava a sua querida avó.

— Miguel, a vó tá aqui com você. Querido você se machucou muito quando caiu no poço, tu ainda esta vivo, mas está do outro lado. — Amélia se aproximou e afagou o choro — Lembra quando a mãe contava da casa dos anjos, você esta aqui visitando. Ainda não sei se você vai ficar ou vai voltar, mas por enquanto vou cuidar de você .

Estava contente em ver ela, fazia anos desde a ultima vez que a viu , sua mãe tinha dito que ela tinha se mudado para as casas dos anjos. Não entendia muito bem, já que os outros falavam que ela tinha morrido. Por mais que tentasse não sabia porque falavam duas coisas diferentes, contudo naquele dia conseguiu entender, quando escutou o choro da sua mãe que era o mesmo do dia que sua vó viajou para a casa dos anjos .

A vó Amélia pegou na sua mão e falou que levaria ele para o jardim mais bonito que existe. Ele adorava seu jardim, mas ficou curioso em saber como seria um jardim mais bonito que da sua casa. Ela pediu para que fechasse os olhos, e contasse até 10 e imaginasse que cada numero era um degrau de uma escada que levava ao sol . Ele contou um por um, e se sentia a cada numero mais leve, parecia que a própria escada era feita dos raios da luz do Sol, e se sentia relaxado tão leve que parecia boiar . Ao pisar no ultimo degrau abriu os olhos, e se deparou em uma praia cheia de arvores altas, com folhas compridas que só tinha visto nos livros do seu pai. Já tinha ido na praia antes mas nas que conhecia só tinham casas e prédios . O mar também era diferente por mais que fosse bem parecido, a agua parecia viva refletia tanta luz como o sol, e tinha todas cores do arco-íris. Os tons mesclavam como tinta, e sentia toda vida que fluía por tudo.

Sua vó apontou para uma ilha e falou que lá tinha o jardim que iria apresentar, contudo ele poderia passar só um dia lá, pois se ficasse mais não poderia mais voltar para casa. Ele concordou e foram caminhando pelo mar calmo que parecia ser feito de geléia, mas era quente como agua de banheira . Era uma sensação gostosa, era macio, molhado, era quente e fresco ao mesmo tempo. Fez se sentir bem só de afundar parcialmente os pés, a avó comentou que era plasma de prana, era o estado líquido da luz. Explicou que por lá tudo era feito dessas matérias sutis, contudo lá pode interagir e moldar usado a imaginação . Comentou que mostraria mais tarde como funciona, mas que antes precisavam caminhar até a ilha.

Levou um tempo até tomar coragem de perguntar se era lá a casa dos anjos. Sua avó comentou que lá é o jardim deles mas que só pode entrar na casa quem vai morar, disse que ele só iria visitar então só podia ir até ali . Ela explicou que cada um via aquele lugar de uma forma diferente. Para ele era um jardim em uma ilha, para outros podia ser um portal, no meio de uma floresta, ou uma ponte gigante. Explicou que lá é um local de passagem.

Ao chegar perto da costa, já pode sentir o perfume das flores que moravam por lá. Ficou espantado quando olhou para uma árvore de tronco preto e folhas brancas brilhantes, parecia ser 5 vezes mais alta que as outras e seus troncos eram imponentes , mesmo sem ver sabia que suas raízes se estendiam por quase toda ilha. Quando pisou na areia percebeu que as árvores que pareciam pequenas perto daquela outra, na verdade eram gigantes, deduziu que deviam ser 10 vezes maior que sua casa. Ele nunca tinha visto algo tão belo, cada folha vibrava vida e forma de cores que ele nem mesmo reconhecia. A sua avó se aproximou, e apontou para um caminho de pedras azuis e disse.

— Esse é o caminho que leva para o jardim que falei, é uma caminhada rápida e quero que a partir daqui fique do meu lado — Amélia parecia mais nova que na sua memória, por mais que ela sorrisse com mais frequência que a maioria das pessoas, nunca tinha visto ela tão feliz.

Por todo trajeto tinham dezenas de flores diferentes, a cada 10 passos sentia um perfume diferente, que iam misturando ficando cada vez melhor. Era como se a cada respiração aqueles cheiros refrescassem seus pulmões, como de quando sente sede e toma água fresca. Se sentia tão bem que toda tensão de antes ia desaparecendo com toda aquela beleza.

Foi então que viu dezenas de figuras luminosas, pareciam ser um filhote de água-viva com borboleta, elas dançavam com o vento em câmera lenta. Percebeu que já tinham quase cem em volta deles, pareciam dar boas vindas, pois cantarolavam algo suave em uma língua que nunca tinham ouvido até então. Sua avó chegou mais perto, pegou em sua mão e disse.

— Não precisa ter medo, eles são elementais guardiões da natureza, provavelmente sua mãe já te contou alguma história com fadas. Elas vivem nas florestas, antes tu não conseguia ver pois quando você está na terra normalmente não tem a sensibilidade para enxergar.

Ainda que não gostasse muito de falar, Miguel adorava ler, e lembrava ter lido um livro da sua mãe sobre essas criaturas. Ficou maravilhado com a oportunidade de vê-las pessoalmente. Era como se os livros de fantasia que amava ler tivessem ganhado vida, e estava muito contente com isso.

Lamentou quando elas começaram a sair, mas sabia que cada um tem sua jornada a seguir, se despediu com aceno que elas pareceram retribuir pois por um momento a melodia que cantavam ficou ainda mais serena.

Mais a frente ficou curioso quando viu um clarão que parecia indicar que ali tinha um campo aberto, chegando mais perto percebeu que estava certo. Era um campo imenso que lembrava uma plantação de trigo, só que com um dourado que brilhava como ouro. Entrando percebeu que era macio como se fossem feitas algodão, o cobria até o pescoço fazendo pequenas cócegas e arrepios já que o vento fazia balançar igual ondas no mar.

Amélia apontou para a elevação, e mesmo sem ela falar nada, entendeu que depois dali daria para ver o jardim. Chegando no topo viu um vale gigantesco que quase pareceu pequeno, pois a poucos quilômetro deles tinha a imensa árvore que já tinha visto anteriormente. Ao redor da imensa arvore havia diversas torres que lembravam as colunas dos templos da antiga Grécia que viu na enciclopédia de seu pai. Quanto mais caminhavam, maior ficavam aquelas colunas, deixando ver que nelas estavam gravadas runas e o símbolo do infinito.

Notou que mesmo faltando quase um quilômetro da grande árvore, os seus troncos já cobriam o céu, ficou confuso pois ela não fazia sombra, na realidade tinha impressão que ela deixava o lugar ainda mais iluminado. Agora vendo de perto, conseguia ver as folhas com mais detalhe pareciam feitas de estrelas, eram translúcidas e gradativamente mesclava tons de dourado, branco, rosa e verde claro. A casca do tronco era enrugada com tons de marrom, vermelho e preto. Era um perfeito contraste que fazia parecer estar vivo, pois o vento balançava lentamente. Aos poucos o que se pareceu sendo um pequeno ruído se mostrou sendo o som de turbilhão de água que ficava cada vez mais alto. O Som da água variava com a intensidade do vento, e ecoavam de forma majestosa.

Ficou tão impressionado com a árvore que não tinha notado até então as quedas de água que ficavam ao fundo fazendo um paredão gigante, ainda assim não chegava a ser metade da altura da árvore. Na parte de trás tinha um lago com um templo que não dava para enxergar direito pois a luz que saia dele ofuscava. Por mais que tivesse andado não se sentia cansado, era como se estivesse ainda mais disposto e descansado que antes. Algo naquele lugar deixava o ambiente revigorante, fazendo sentir que até então estava dormindo e só agora estava desperto.

A sua avó Amélia olhou como de quem se despede e sumiu, ele sabia que o papel dela era levar até ali. Intuiu que deveria ir em direção ao templo dentro da água. Enquanto caminhava pela ponte flutuante, a luz que antes ofuscava, revelou que era um templo feito de luz, quando mais se aproximava mais agradável sentia, como se aproximasse de uma lareira no inverno. A Cada passo sentia que algo dentro de si ia derretendo enquanto outra nascia. Sua consciência ampliava ao ponto de sentir que estava conectado com todo aquele esplendor. Entendeu que aquela pulsão de vida que vibrava ao redor era da mesma essência que ele, e por isso sentiu um afeto incondicional. Aos poucos se deu conta de uma presença que estava com ele o tempo todo, de forma serena escondida no silêncio, era algo que ela sabia ser sagrado. Naquele momento ele se sentiu ser nada e tudo ao mesmo tempo.

O véu que separava os opostos, caiu, entendeu a realidade profunda por trás da dualidade. A eternidade tocou sua alma, fazendo se sentir inteiro, e genuinamente perfeito. Até então não tinha se dado conta, mas ele sempre tinha sido perfeito e completo, porém por se identificar com o falso eu e sua sombra não conseguia contemplar a beleza que existia nele e em tudo.

Então tudo se tornou luz, e aos poucos surgiram ruídos que reconheceu sendo as máquinas do hospital e alguém chamando seu nome, e se viu toda a cena em 360 graus, via seu corpo em uma mesa cirúrgica e um túnel de luz, sabia que tinha que voltar, e pouco a pouco tudo foi ficando mais escuro e confuso. Tudo pareceu ter sido um sonho, contudo acreditou ser mais real que tudo que até então já viveu. Levou vários dias até conseguir abrir os olhos, era como se só conseguisse escutar a sua mãe e as pessoas que entravam na sala mas não conseguia se mover. Por mais que aquela paralisia o deixasse impotente, ainda continuava com a paz que o sonho manteve dentro dele.

Até que enfim, após 2 semanas em uma manhã de primavera, acordou e viu sua mãe sorrindo e chorando ao mesmo tempo, ficou aliviado pois estava com medo que ela estaria brava. Antes de falar qualquer coisa, o envolveu em um abraço afetuoso que lhe fez sentir que ela o amava.

FIM

Histórias de Axis Mundi, por Borgeriano

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Written by O Borgeriano

Um astronauta em expedição entre mundos e vazios, buscando colecionar memórias e amadurecer a alma! #PSIC #PNL #Historias #Metaforas #Poesias #Reflexões

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